Brasil x EUA: bastidores da pressão diplomática que impediu PCC e Comando Vermelho de virarem “organizações terroristas”

Análises Estratégicas

Como o governo brasileiro articulou, nos bastidores, uma estratégia política, jurídica e diplomática para evitar que Washington classificasse PCC e Comando Vermelho como grupos terroristas – e o que essa decisão revela sobre o futuro da segurança no país.

Brasil rejeita a pressão: o início da crise diplomática

Em maio e outubro de 2025, veículos como a Reuters relataram que o governo brasileiro rejeitou explicitamente o pedido dos Estados Unidos para que o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) fossem formalmente classificados como organizações terroristas (Reuters).
A CNN Brasil confirmou o posicionamento, destacando que representantes do Itamaraty transmitiram ao governo Biden que a medida não teria respaldo jurídico e criaria riscos internos e externos para o Brasil (CNN Brasil).

A questão, que parecia apenas técnica, rapidamente tornou-se um embate maior: soberania, política criminal, repercussões econômicas e implicações geopolíticas. Washington considera que PCC e CV operam como redes transnacionais; Brasília insiste que terrorismo é outra coisa.

O debate expôs tensões profundas entre duas visões de segurança: a abordagem norte-americana, centrada em classificação e sanções; e a brasileira, fundamentada em distinções jurídicas rígidas entre terrorismo, crime organizado e insurgência.

Por que os EUA pressionaram: cooperação, geopolítica e narcotráfico transnacional

Reportagens do The Guardian revelaram que o pedido partiu de setores ligados ao Departamento de Estado e agências antidrogas norte-americanas. A justificativa era clara: o PCC já opera rotas na América do Sul, África e Europa, movimentando bilhões de dólares por meio do tráfico internacional de cocaína (The Guardian).

Para Washington, há três razões para a rotulagem:

  1. Facilitar sanções patrimoniais contra membros e supostos financiadores.
  2. Permitir ações transnacionais mais agressivas, como congelamento de contas e bloqueio de bens em terceiros países.
  3. Forçar o Brasil a colaborar mais ativamente em investigações de alcance internacional.

Nos bastidores, segundo diplomatas ouvidos por veículos brasileiros, os EUA desejam criar um arcabouço de combate ao crime organizado transcontinental semelhante ao aplicado contra cartéis mexicanos. Para eles, PCC e CV são “atores híbridos”: utilizam técnicas de guerrilha, economia paralela, corrupção institucional e exportação sistemática da violência.

Por que o Brasil disse não: soberania jurídica e riscos internos

Segundo várias análises publicadas pela CNN Brasil e pelo Poder360, o governo brasileiro considera que o enquadramento como terrorismo abriria portas para efeitos colaterais indesejáveis e inconstitucionais (Poder360).

Entre os riscos apontados:

1. Risco jurídico: expansão indevida da Lei Antiterrorismo brasileira

A legislação brasileira define terrorismo como ações com motivação política, ideológica ou xenofóbica. PCC e CV, embora extremamente violentos, são organizações criminais com finalidade econômica, não política.

Classificá-los como terroristas criaria um precedente que poderia ser usado para criminalizar grupos sociais e movimentos civis, um temor recorrente de juristas e especialistas.

2. Risco diplomático

Fontes do Itamaraty explicaram que o Brasil não aceita imposições externas que reconfiguram sua política criminal. Aceitar a classificação seria, simbolicamente, reconhecer que Washington dita o que é terrorismo no território brasileiro, um desgaste que o governo quer evitar.

3. Risco de escalada interna

Especialistas ouvidos pela CNN apontam que a rotulagem poderia incentivar PCC e CV a responderem com mais violência, interpretando a medida como ato de guerra. Além disso, a classificação poderia justificar operações de segurança mais duras, aumentando violência, superlotando presídios e incentivando retaliações.

4. Impacto econômico indireto

Organizações listadas como terroristas geram impacto em rotas comerciais, seguros internacionais, investimentos estrangeiros e análise de risco país. O governo teme agregar ao Brasil o estigma que hoje recai sobre nações com insurgência armada.

O debate político interno: Lula, Tarcísio e especialistas

A cobertura do Diário do Grande ABC e do jornal O Dia mostrou o ambiente político polarizado em torno da questão. Enquanto o governo federal rejeitou a classificação, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, defendeu que PCC e CV devem sim ser tratados como terroristas (O Dia; Diário do Grande ABC).

Especialistas ficaram divididos:

  • Juristas: majoritariamente contrários, enfatizando que a lei não permite a classificação.
  • Militares e policiais: mais favoráveis, argumentando que PCC e CV já operam como “mini-Estados armados”.
  • Diplomatas: preocupados com soberania e customização da política externa.
  • Acadêmicos de segurança pública: veem risco de contaminação política da legislação antiterrorista.

Enquanto isso, pesquisas de opinião pública revelaram que parte da população apoiaria a mudança, especialmente no Rio de Janeiro, onde a violência armada atinge níveis críticos. Uma sondagem da Quaest divulgada pela CNN mostrou que 72% dos fluminenses aprovam a ideia de enquadrar facções como terroristas (CNN Brasil).

O pano de fundo: por que Washington insiste

A pressão dos EUA não ocorre por acaso. Nos últimos anos, investigações revelaram:

  • Rotas compartilhadas entre PCC e cartéis mexicanos, como CJNG e Sinaloa.
  • Presença de emissários do PCC na Bolívia, Paraguai, Peru e África ocidental.
  • Lavagem de dinheiro em países com baixa supervisão financeira, como Emirados Árabes e alguns paraísos fiscais.

Para as agências americanas, o PCC já opera no patamar de cartéis transnacionais. A classificação como terrorista facilitaria a cooperação interestatal, sobretudo em congelamento de bens e perseguição internacional.

Já o Brasil sustenta que:

  • há cooperação já suficiente no âmbito policial e da Interpol;
  • terrorismo, no Brasil, é crime distinto do tráfico internacional;
  • aplicar o rótulo seria uma concessão da soberania jurídica nacional.

A posição do governo Lula: técnica ou política?

Embora o governo afirme que sua reação se baseia exclusivamente em critérios jurídicos, analistas notam que a questão também é política.

Critérios mencionados em reportagens:

  • O Planalto não quer reativar discussões polêmicas sobre a Lei Antiterrorismo, criada em 2016.
  • O governo teme que a classificação seja usada por opositores para exigir ações militares de grande escala em favelas.
  • Movimentos sociais historicamente se opuseram a ampliar definições de terrorismo.

A CNN Brasil, em análise, lembrou que qualquer mudança exigiria modificação legislativa profunda, o que abriria uma caixa de Pandora jurídica e política (CNN Brasil).

Reações internacionais: a geopolítica do crime organizado

Para países vizinhos, a postura do Brasil gera dois tipos de leitura:

  1. Convergência regional
    Na América do Sul, quase nenhum país classifica grupos criminais como terroristas. O Brasil se alinha a essa tradição.
  2. Divergência com EUA e Europa
    Para países que adotam políticas mais agressivas, como EUA e Reino Unido, o Brasil parece relutante em reconhecer o caráter global das facções brasileiras.

O The Guardian destacou que Washington considera o PCC uma ameaça estrutural, com a mesma lógica organizativa de grupos classificados como terroristas em outros contextos (The Guardian).

O que está em jogo para o futuro

A decisão brasileira não encerra o assunto. Pelo contrário: abre novos capítulos.

1. Consequências para a política de segurança

O Brasil terá de modernizar sua estratégia de combate a organizações transnacionais. Mesmo sem o rótulo de terrorismo, PCC e CV exigem uma abordagem que vá além de encarceramentos em massa e operações esporádicas.

2. Pressão internacional contínua

Os EUA tendem a insistir no enquadramento. É possível que o tema reapareça em negociações bilaterais e fóruns multilaterais.

3. Riscos de sanções unilaterais

Mesmo sem apoio brasileiro, os EUA podem unilateralmente classificar membros das facções como terroristas, atingindo contas, vistos e transações internacionais.

4. Debate interno crescente

Com parte da população favorável a endurecer leis, o tema pode voltar ao Congresso, seja por grupos de oposição ou por governadores de estados mais afetados pela violência.

5. Impacto para a economia do crime

Se os EUA avançarem com bloqueios financeiros, as facções terão de adaptar rotas, intermediários e formas de lavagem de dinheiro. Isso pode gerar tanto rupturas quanto expansões inesperadas.

Considerações finais

A recusa do Brasil em classificar PCC e Comando Vermelho como terroristas não é mero detalhe técnico. É o reflexo de uma disputa profunda entre modelos de segurança, visões jurídicas e interesses geopolíticos. Ao dizer não aos Estados Unidos, o país marca posição sobre soberania e interpretação constitucional. Mas essa decisão tem implicações que vão muito além da diplomacia: afeta a política interna, o combate ao crime organizado, a imagem internacional do Brasil e a própria estabilidade da região.

O debate está apenas começando.

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