Expansão de grupos extremistas em Telegram, Facebook, X e YouTube aumenta risco de ataques a escolas e minorias; especialistas pedem regulação, educação digital e inteligência adaptada.
A radicalização nas redes deixou de ser fenômeno restrito a nichos obscuros da internet para se tornar um problema de segurança pública no Brasil. Pesquisas recentes e levantamentos de organizações internacionais mostram que grupos de extrema‑direita e comunidades radicalizadas utilizam plataformas abertas e fechadas — especialmente Telegram, Facebook, X (ex‑Twitter) e YouTube — para difundir discurso de ódio, desinformação e incitação à violência. Quando essas narrativas saem das telas, geram consequências concretas: ameaças a escolas, ataques e aumento do clima de insegurança para minorias e profissionais da educação.
Como as redes alimentam a radicalização
A arquitetura das plataformas e o comportamento dos usuários criam um terreno fértil para a proliferação de ideias extremistas. Um levantamento da Global Project Against Hate and Extremism (GPAHE) identificou mais de 20 grupos de extrema‑direita com forte atuação nas redes sociais brasileiras. Estudos acadêmicos também apontam para o papel central de aplicativos de mensagens fechadas: uma pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) analisou mais de 2 milhões de mensagens em 128 grupos do Telegram e constatou alta toxicidade, normalização da violência simbólica e construção de ecossistemas ideológicos sem moderação efetiva.
Dois mecanismos são determinantes na disseminação: as “bolhas de reforço” — em que conteúdos e opiniões são validados sem contraponto — e algoritmos que priorizam engajamento, favorecendo material inflamado. Juntos, esses fatores aceleram a radicalização, transformando o recrutamento em processo mais fácil e escalável.
Quem são os alvos e quais os impactos reais
As campanhas de ódio têm como vítimas recorrentes mulheres, pessoas LGBTQIA+, minorias étnicas, imigrantes e instituições educacionais. Levantamentos recentes apontam para um aumento de 360% em conteúdos de violência dirigidos a alunos, professores e escolas ao longo de quatro anos; só até maio deste ano foram registradas mais de 88 mil menções violentas contra integrantes da comunidade escolar.
Os efeitos extrapolam o ambiente digital: ameaças e intimidações a escolas, planejamento de ataques e episódios de violência em diferentes regiões do país mostram que mensagens on‑line podem ecoar na vida real. Casos de agressões e atentados em instituições de ensino reforçam o vínculo entre discurso de ódio e práticas violentas.
Por que as respostas tradicionais falham
Estratégias de segurança baseadas apenas em dissuasão e repressão provam ser insuficientes diante da complexidade da radicalização digital. Pesquisa da Revista Brasileira de Inteligência de 2025 sinaliza que a dissuasão clássica não atua sobre raízes psicológicas, sociais e comunicacionais que levam indivíduos à adesão a grupos extremistas.
Há ainda fatores institucionais que dificultam a reação: fragmentação entre órgãos de segurança, ausência de diretrizes nacionais robustas, limitações orçamentárias e lentidão nos processos investigativos. A moderação das plataformas também é parte do problema: embora empresas afirmem proibir discurso de ódio, a aplicação das regras costuma ser tardia, ineficiente ou inexistente, sobretudo em ambientes mais fechados como grupos de Telegram.
Medidas urgentes para conter a ameaça
Especialistas defendem uma resposta multifacetada. Quatro frentes são repetidamente apontadas como essenciais:
- Regulação e responsabilização das plataformas: criar normas claras, fiscalização efetiva e transparência sobre algoritmos e decisões de moderação, sem abrir mão de garantias constitucionais.
- Educação e cidadania digital: programas de letramento midiático, educação emocional e apoio a jovens vulneráveis para reduzir a atração por grupos extremistas que prometem pertencimento.
- Monitoramento e inteligência adaptada: atualizar metodologias policiais e de investigação para lidar com chats, canais e redes criptografadas, além de investir em ferramentas que detectem discurso de ódio em português.
- Reabilitação e apoio social: políticas de acompanhamento psicológico e reinserção para quem deixa ambientes extremistas, reduzindo o risco de reincidência.
Além disso, a expansão da pesquisa acadêmica com financiamento público é apontada como fundamental para mapear padrões e antecipar mudanças nos modos de recrutamento e propaganda. O relatório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), entregue em 2023, já recomendava ações similares, mas a implementação permanece fragmentada.
Negligenciar a radicalização nas redes é subestimar uma vulnerabilidade que afeta democracia, segurança e coesão social. Em um país marcado por desigualdades e polarização, a normalização da violência simbólica pode rapidamente se transformar em tragédia.
Combater essa nova ameaça exige não apenas leis e repressão, mas educação, prevenção, cooperação internacional e vontade política para responsabilizar plataformas e proteger potenciais vítimas. O tempo para agir é agora: o que começa com um grupo no Telegram ou um post viral pode, sem resposta coordenada, virar uma crise de segurança com consequências duradouras.
Leia mais sobre iniciativas de prevenção e indicadores de risco: educação digital nas escolas, linhas de denúncia e programas de apoio a vítimas são medidas práticas que governos, instituições e sociedade civil podem ampliar imediatamente.